terça-feira, 9 de outubro de 2012

Cariocas Derrotam Capitão Nascimento


Quando o filme "Tropa de Elite" foi lançado, eu trabalhava na editoria do Jornal dos Sports e fui, praticamente, obrigado a assistir a uma cópia pirata que circulou pela redação.


O DVD passava de mão em mão e eu resistia. 



Não, não se tratava de uma atitude ética da minha parte contra a pirataria. Apenas, na época, não estava no clima do filme. Considerava a temática da obra um verdadeiro show de realidade, com o qual eu já convivia e driblava todos os dias - inclusive nas minhas idas quase que diárias à redação. 



A minha resistência foi derrotada, quando todos, todos da redação já tinham visto o filme e um clima de histeria coletiva tomou conta do ambiente. Fui o último a levar para casa o tal DVD. 



Já conhecia falas e cenas inteiras do filme antes de assisti-lo. A histeria se caracterizou nas brincadeiras, conversas, citações de falas, diversos memes do filme - que eram compartilhados todos os dias e assistidos entre gargalhadas - e recordações de cenas que eram constantemente relembradas.



Se eu não assistisse o DVD, o meu relacionamento com os colegas de trabalho (de diferentes funções e classes sociais) seria prejudicado. 



Assisti "Tropa de Elite". Achei interessante um filme sobre drogas ter o ponto de vista dos agentes da repressão (o que não é comum), entendi a opinião de muitas pessoas que criticaram o fato da obra, praticamente, apontar os usuários de droga como os principais responsáveis pelo tráfico, achei a direção correta e gostei muito do desempenho de todo o elenco.



Não li o livro "Elite da Tropa" de Luiz Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel e André Batista, que deu origem ao filme, mas, pelo que li na imprensa na época do lançamento do livro, as abordagens foram muito diferentes. 



Por causa das denúncias de tortura, os autores do livro, se não me engano, evitaram a exposição. No filme do diretor José Padilha, a topa de elite foi alçada à condição de um grupo de heróis.



Três anos depois, lançaram "Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro". 



A histeria que eu verifiquei na redação e fora dela, dessa vez se deu dentro da sala de cinema com gritos, vários momentos de aplausos durante a exibição do filme e, novamente, brincadeiras, conversas, citações, memes e muitas discussões acaloradas nas quais todos (eu escrevi 'todos') endossavam o ponto de vista do promovido capitão Nascimento e do professor Diogo Fraga.



Recebi um convite e fui a uma palestra na qual estiveram presentes o ator Wagner Moura e o deputado estadual Marcelo Freixo (a inspiração para a personagem do professor Diogo Fraga), que foram tratados com honras diplomáticas e alguma histeria (novamente ela - não se pode negar que um intenso frenesi tomou conta dos dois filmes).



Também estive presente em botequins e festas com porteiros e doutores de diferentes idades, que substituíam a frase sem sentido (para mim) "só Jesus mesmo", por "só um capitão Nascimento mesmo pra dar jeito nessa canalha!". 



Vieram as eleições municipais e o deputado Marcelo Freixo foi candidato a prefeito da cidade do Rio de Janeiro. As inevitáveis pesquisas pré-eleitorais apontaram o candidato do PSOL com um percentual de intenção de voto muito baixo. Fato que foi confirmado com o resultado final da eleição.



Marcelo Freixo foi derrotado em 96 das 97 zonas eleitorais da cidade do Rio de Janeiro, contabilizando apenas 28% dos votos válidos - o candidato não chegou a atingir nem um milhão de votos.



Por mais que os cariocas estivessem satisfeitos com a administração do prefeito Eduardo Paes (um prefeito que dialoga com a imprensa e seus colunistas), e por isso optado pela sua reeleição, como explicar (?) a tão baixa votação de um parlamentar ainda incólume a acusações comprometedoras (o que não é pouca coisa no Brasil), envolvido na perigosa luta contra o crime e a corrupção, e inspirador de uma personagem integrante de uma dupla dinâmica motivadora de imensa comoção nacional?



O fato de tal candidatura ter estado em baixa nas pesquisas pré-eleitorais é um forte indício de que as tais poderosas contribuições de campanha não apostaram nela (ao invés do raciocínio contrário), mas aí reconheço que é ser otimista demais com o raciocínio da maioria e nem eu posso provar essa minha conjectura. 



Em uma conclusão com pouca reflexão, mas muita observação aos cariocas, penso que carioca gosta de festejar, de seguir a maioria (e aí o sucesso sugestivo das pesquisas eleitorais), de emoção à razão e, principalmente, de modismo fugaz. 



Carioca gosta de onda - onda que não se vê nas praias do Rio. 



Certa vez, em um bate-papo, perguntei ao colega Mauro Trindade a que ele atribuía o sucesso dos filmes "Tropa de Elite" e ele me respondeu de imediato: "Alexandre, trata-se de um filme americano com gíria carioca". 



É, querido Mauro, infelizmente foi só isso mesmo. 



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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Jogos Olímpicos - Londres 2012


Quando eu era pirralho, costumava desprezar as Olimpíadas por preferir o futebol. 


Eu acompanhava futebol o ano inteiro, conhecia os clubes, os jogadores, assistia os campeonatos e, por tudo isso, não me sentia à vontade com modalidades esportivas que só apareciam na mídia brasileira de quatro em quatro anos nos Jogos Olímpicos.


Eu era acometido por uma espécie de síndrome de entendido (no sentido ortodoxo do termo) em futebol, e assistir e torcer por alguém ou alguma equipe nas Olimpíadas era quase como trair o futebol, que eu acompanhava e me acompanhava o ano inteiro.


Em 2004, abandonei essa grande tolice e assisti pela TV com muito interesse os Jogos Olímpicos disputados em Atenas. Uma estreia (pra valer) em Olimpíadas na Grécia se fez cheia de sentido para mim. Gostei muito de quase tudo, especialmente das modalidades esportivas que eu não conhecia. 


Tenho uma recordação afetiva especial pelas finais de tênis (que já era o meu segundo esporte preferido na época). As conquistas dos chilenos Nicolás Massú e Fernando González ficarão para sempre na minha memória. 


As duas primeiras medalhas de ouro do Chile em Olimpíadas: Massú na final de simples e na de duplas com Fernando González (que ficou com o bronze na simples). Eu já era fã do estilo guerreiro da dupla.  


Foram duas finais com viradas emocionantes no mesmo dia. Lembro-me que o SporTV (depois de horas de cobertura) acabou abandonando a transmissão de uma das partidas (não me lembro qual) e eu tive que correr para a internet.


Em Pequim 2008, eu trabalhava no Globoesporte.com junto a uma talentosa e competente equipe liderada pelos jornalistas Gustavo Poli e Pedro Só. Apesar do trabalho intenso, foi bem legal trabalhar, aqui no Rio, de madrugada por causa do fuso horário de Pequim. 


Naquele ano, pude reviver a experiência vivida na Fluminense FM onde encarei diversos turnos na locução, mas gostava especialmente de passar as noites e madrugadas entretendo os ouvintes.


Nessa edição de 2008, no tênis feminino, na categoria musa, a minha atleta preferida, a russa Elena Dementieva, conquistou a medalha de ouro mesmo com o seu saque deficiente - compensado por uma ótima devolução com bolas fundas e pesadas. 


mais bonita atleta de todos os tempos, para mim, exibiu o seu belo sorriso vitorioso no ponto mais alto do pódio.  


Depois de contaminado pelo espírito das Olimpíadas não perdi nem os Jogos Olímpicos de Inverno (pelo SporTV), que descobri na edição Turim 2006 e foi onde conheci o curling - provavelmente o esporte preferido dos mods (perdoem-me, não resisti a essa piada pronta). Virei fã da modalidade.


Como os textos do meu espaço dispensam pirâmides invertidas e limites de toques, só agora aparecerá aqui "Londres 2012": a minha edição preferida dos Jogos Olímpicos até agora.


Também pudera, uma edição de Olimpíadas que na cerimônia de abertura apresenta uma parte considerável da trilha sonora da minha vida...


Estiveram lá (muitos em pequenas vinhetas): The Jam, Kinks, Clash, Specials, Oasis, Blur, Led Zeppelin, The Who, Arctic Monkeys (com uma versão demolidora de "Come Together" dos Beatles), Happy Mondays, The Verve, Bowie, Radiohead, Prodigy, Coldplay, não, Coldplay eu não gosto, Sex Pistols com "Pretty Vacant" (uma das mais longas) e, o mais incrível, "God Save The Queen"!!!


Só entrou a parte do "God save the Queen", o verso seguinte "The fascist regime" foi sumariamente cortado, ou melhor, editado. 


Foi bacana constatar que o establishment mais do que se apropriar da rebeldia de uma forma de expressão artística, a reconhece como parte da sua cultura (com um certo orgulho), embora não a queira dentro da sua sala, preservando assim -involuntariamente - o seu espírito rebelde.


Ou seja, antes mesmo da sua primeira competição esportiva, "London 2012 Olympic Games" já tinham conquistado um fã aqui no Leblon - ou um torcedor, na versão da minha amada e sofisticada língua portuguesa.


Revolução Industrial, Isambard Kingdom Brunel, Winston Churchill, Tim Berners-Lee (estranhamente, não conheço nenhum internauta que o conheça), Paul McCartney, toda a cena envolvendo a Rainha e James Bond, com o espetacular e bem humorado desfecho, tudo e todos fizeram parte de um grande espetáculo.


Só faltou citarem Jethro Tull - o agricultor, não a banda (seu líder, o escocês Ian Anderson, provavelmente declinaria do convite, como fizeram alguns artistas).


Uma surpreendente pira olímpica que privilegiou vários atletas foi um contraponto aos dois mascotes possivelmente mais feios da história - bem diferentes do simpático ursinho Misha das Olimpíadas de 1980 em Moscou. 


As competições esportivas começaram, eu me programei e me aprazi com os sete canais em HD. ESPN, Record e SporTV (em ordem alfabética) fizeram uma cobertura excelente. 


O mico de ouro ficou com o meu querido jornal O Globo, que no caderno de esportes estampou uma capa ridicularizando a falta de medalhas da Grã-Bretanha ("Dad, where's the gold?" - "Pai, onde está o ouro?"). 


Dentro do caderno um texto com tom político citava algo como "o ouro roubado pelo Império Britânico ao logo da História" e se regozijava com o ouro das medalhas que não era conquistado pelos atletas britânicos até aquele momento. 


Um ridículo só comparável ao ato de se cobrar de Michael Phelps a entrega das suas medalhas aos países da América do Sul, como forma de repará-los por terem sido vítimas de ditaduras militares patrocinadas pelos Estados Unidos (entre outros males), por exemplo.


Nos anos 70 do século passado, um texto assim (provavelmente no JB) seria até interessante, embora o atleta não tenha nada a ver com isso, mas hoje em dia é só ridículo.


No final, foi o que se viu: os atletas da terra de Billy Bragg conquistaram 29 medalhas de ouro, 17 de prata, 19 de bronze e o terceiro lugar no quadro de medalhas.


O tal caderno também "inventou" manchetes passivas e frias, onde o factual do dia anterior aparecia como em um resumo de uma revista semanal. Quem sabe esse tom venha a ser adotado na próxima Copa do Mundo? Seria uma boa alternativa à histeria que toma conta da mídia nesse evento.


O Brasil foi o quarto colocado das Américas no quadro geral de medalhas e me deu boas alegrias. O fato de eu nunca ter ouvido falar de Arthur Zanetti, só aumenta o mérito do atleta paulista, que trabalhava sem cobertura da mídia. 


Foi a maior quantidade de medalhas conquistadas pelo Brasil em Olimpíadas, mas um evento do porte dos Jogos Olímpicos não pode ser ignorado, menosprezado ou ficar refém do sucesso ou não do Brasil.


O maior evento esportivo do mundo é uma tremenda atração para todas as pessoas que gostam de esportes - independentemente do resultado dos nossos atletas.


"Brasileiro não gosta de esporte, brasileiro gosta de ganhar" é algo tão estúpido, que se fosse aplicado pelas plateias locais aos torneios de Wimbledon e Roland-Garros, essas competições já não existiriam mais. 


Como se sabe, no simples masculino, um britânico não se sagra campeão em casa desde 1936 e um francês não comemora um título no Aberto da França desde 1983.


Falando em tênis, nos jogos de Londres 2012, tivemos partidas espetaculares como as protagonizadas por Roger Federer e Juan Martín del Potro (Suíça x Argentina), em uma semifinal, e a final entre Andy Murray (GB) e Roger Federer. Dois partidaços com muito talento e emoção em quadra.


Também foi sensacional a final de vôlei de praia masculino entre a dupla brasileira Alison e Emanuel (39 anos!) e o duo alemão, que ganhou a medalha de ouro. 


Os brasileiros jogaram muito (totalizaram 56 contra 55 pontos), mas os alemães Brink e Reckermann sacaram melhor e mereceram a vitória, assim como os brasileiros também devem ser parabenizados.


Toda festa será pouca, para comemorar a medalha de ouro do volêi feminino brasileiro em partida épica (!) contra os Estados Unidos. Foi sensacional!!! 


Aliás, as Olimpíadas são o evento esportivo no qual as mulheres são tão importantes quanto os homens. 


É uma atração a mais poder ver atletas mulheres de todo o mundo no seu esplendor em luta por medalhas para o seu país. 


No feminino, assisti a várias partidas de hóquei sobre a grama, vôlei de praia e indoor, provas de atletismo, natação, judô, e etc.  


[no futebol, só assisti as partidas da modalidade feminina. Saturado desse futebol vagabundo que é jogado por aqui, já destronei esse esporte do espaço que ocupava na minha vida nos tempos de pirralho]


Talento e beleza não faltaram as atletas Zara Dampney da Grã-Bretanha (vôlei de praia), a cubana Yarisley Silva (prata no salto com vara), Kaylyn Kyle do time de futebol do Canadá (bronze), a brasileira Sheilla do vôlei (ouro) e Sophie Polkamp da equipe de hóquei da Holanda (ouro), entre inúmeras outras. 


A fera e bela pugilista Katie Taylor confirma o papel desempenhado pelo esporte junto à identidade nacional. A atleta foi a porta-bandeira da Irlanda e levou ao delírio centenas de torcedores do seu país na arena onde ocorreram as lutas. 


Katie Taylor que, se não me falha a memória, entrou no ringue pelo menos uma vez ao som da banda irlandesa Thin Lizzy, ganhou a única medalha de ouro da Irlanda nos Jogos e confirmou a esperança da sua torcida, que foi sempre maioria no local onde ocorreram as lutas. 


Será que algum dia teremos uma atleta que será tão idolatrada por aqui, quanto os atletas homens?             


Não gostei tanto da festa de encerramento quanto da de abertura. Para mim, o solo de Brian May é sério candidato a pior solo de guitarra de todos os tempos. 


A presença do descartável Take That foi compensada pelas lendas Ray Davis e o ex-Monthy Python Eric Idle, pelo Madness, Nick Mason, Mike Rutherford e pelo cover phoda de "Pinball Wizard" com o Kaiser Chiefs em clima de "Quadrophenia" - o filme -, além do Beady Eye e o encerramento triunfal com The Who. 


A parte brasileira da festa também foi legal. O lugar comum dos estereótipos foi temperado com o carisma do gari Renato Sorriso e a beleza e graça da top gaúcha Alessandra Ambrósio. 


O gonçalense, jinglista e empresário de cachaça Seu Jorge foi o malandro carioca, já que "aquela tal malandragem não existe mais".


O talentoso e gente fina BNegão conseguiu uma admirável e invejável viagem com tudo pago e Marisa Monte estava muito bonita em uma aparição lateral, que sempre me faz rir. [lembro-me de uma cena com urubus no filme "Ishtar" de 1987, que eu só fui assistir porque tinha a Isabelle Adjani no elenco]


Quem organiza uma grande festa precisa dedicar uma atenção especial à música e foi o que se ouviu e viu nas cerimônias de abertura e encerramento das Olimpíadas de 2012. 


A Grã-Bretanha finalmente mostrou orgulhosamente ao mundo o que os seus jovens branquelos fizeram a partir do mais influente gênero da música do nosso continente: o blues.   


Londres 2012 foi um grande evento, que não pode ser minimizado ou ignorado ao sabor de questões contratuais envolvendo direitos de transmissão.


Caso contrário, correremos o sério risco de os Jogos Olímpicos perderem em importância para um musical assistencialista, um "Criança Esperança", por exemplo. 



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terça-feira, 3 de abril de 2012

Um Café Filosófico no Rio


A livraria Argumento no Leblon foi o palco do lançamento dos livros "Poesia e Filosofia", do filósofo e poeta Antonio Cicero, e "Clarice Lispector: Uma Literatura Pensante" do escritor e ensaísta Evando Nascimento - organizador da Coleção Contemporânea da editora Civilização Brasileira.


Os dois autores participaram de um concorrido debate acompanhados de Caetano Veloso e Francisco Bosco, que assinam colunas no jornal O Globo.


Com essa escalação, como se esperava, o debate foi inteligente, instigante e bem humorado. Antonio Cicero não vê nenhuma semelhança entre Filosofia e Poesia. Para o filófofo e poeta, as suas duas atividades são inconciliáveis.


Quando alguém na plateia citou o Zaratustra de Nietzsche como um possível encontro entre Filosofia e Poesia, Antonio Cicero me surpreendeu ao dizer que não gosta do filósofo alemão, porque ele se contradiz.


Cicero pensar que Filosofia e Poesia se encontram em pólos opostos, me estimulou a comprar o seu livro. Embora, em muitas ocasiões - nunca em Heidegger, por exemplo -, mesmo traduzida para o português, a Filosofia tenha provocado em mim um enlevo muito parecido com o proporcionado pela boa Poesia.


[na maioria das vezes nas quais tal sensação ocorreu comigo, lia Nietzsche em português. Um acaso nos casos em que, aliado a um brilhante conteúdo, houve ritmo e som em bela harmonia - para mim]


Antonio Cicero poderia ter dito que não gosta da filosofia nietzschiana (o que teria sido bem diferente), mas ele disse que não gosta do filósofo por ele, Nietzsche, ser contraditório.


Atônito, eu pensei: além de poeta e um grande letrista pop, Antonio Cicero é uma potência intelectual.


Quando eu estava nascendo ou ainda pirralho, o cara já era graduado em faculdades brasileiras, inglesa e com uma pós nos Estados Unidos. Entre outras línguas, ele fala grego e latim!!! Porra, não tenho autoridade para pensar o que estou pensando.


Será que ele não entendeu o Nietzsche? Apontar a contradição é recorrência na Filosofia nietzschiana. Não existe absoluto. Nem a matemática (já limitada a ferramenta por Descartes) e as ciências exatas escaparam da sua desconstrução. Todo pensamento (ou uma mera opinião) revela um interesse. Tudo é subjetivação e por isso contraditório (?). [em certas épocas da História, esse pensamento levava à fogueira]


Mais adiante, o letrista, poeta e filósofo deu um exemplo surpreendentemente ridículo para mostrar o seu desapreço pelo intelectual alemão: "você não pode colocar uma caneta aqui (mexeu em uma caneta em cima da mesa dos debatedores), dizer que ela tem que ficar aqui e depois mudá-la de posição e dizer que ela tem que ficar ali."


Claro que pode!!! Pode haver capricho ou necessidade na mudança (ou um deslocamento da noção de verdade para as de valor e perspectiva - segundo Eduardo Brandão em artigo).  


Foi negativamente estranho, mas o debate ainda causaria um "oh!" coletivo quando Francisco Bosco disparou: "Não se aprende nada com a Poesia!".


Ele repetiu essa frase com autoridade e tom bem grave na voz. Causou impacto. Eu gosto desse tipo de provocação e, por isso, voltei para casa pensando nessa afirmação.


[inclusive, porque Francisco Bosco é o tipo de cara que joga contra a minha pouca esperança na humanidade. O garoto é muitas vezes brilhante, embora seja refém de um tom "professoral" e do formato de ensaio, que não é o mais adequado a sua mídia cercada de factual por todos os lados]


Bem, além de ter sido pouco elegante uma afirmação dessa, naquele tom, estando ao lado do Caetano Veloso (que fez uma cara de espanto cheia de humor e abriu um sorriso quase paternal - coisa que se adquire com a idade), tal afirmação não se sustenta.


A arte depura a sensibilidade e é um degrau importante na conquista de cultura e no desenvolvimento da inteligência.


Eu não cheguei à Filosofia e à Psicanálise pelo meu interesse em esportes, política ou História. Foi a arte que me levou a essas duas ciências.


Eu aprendi com a Poesia (e ainda estou aprendendo) - sonoridade e ritmo, língua portuguesa, um pouco da inglesa, sobre mim mesmo, História, sobre questões existenciais e amorosas que me conduziram à Filosofia e Psicanálise, entre outros aprendizados que me levaram a saber que nada sei. 


O próprio Nietzsche considerava a arte importante para se "passar mais facilmente para uma ciência filosófica realmente libertadora" (em "Humano, Demasiado Humano").


Entre o espanto e a minha ousadia, concluí que a minha querida Dra. Maheva tinha razão quando, na década de 90 do século passado, me disse que até as pessoas muito inteligentes falam muita bobagem.



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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Do Trivial Variado (que acabou não sendo)

Em meio aos bueiros que explodem, ao naufrágio do pedalinho da Lagoa Rodrigo de Freitas, restaurante que explodiu, prédio que desabou, a explosão no Cais do Porto, ao roubo no Aeroporto Internacional Tom Jobim, acidente com barca no trajeto Rio-Niterói, bondinho cartão-postal que despencou, eu sigo a minha vida no Rio de Janeiro e me lembro do Arthur da Távola.

No final da década de 70 do século passado, o advogado e jornalista escrevia sobre televisão no jornal O Globo, quase sempre analisando e louvando os programas da emissora da mesma empresa onde trabalhava.


De forma muito parecida com a realizada por Patrícia Kogut no mesmo O Globo atualmente.


Pois o Arthur da Távola, algumas vezes, escrevia a sua coluna sob o título "Do Trivial Variado", na qual falava sobre vários assuntos.


Sob essa inspiração (apenas nessa ideia; o colunista nunca foi meu inspirador), resolvi retomar às atividades aqui no Uma Coluna Virtual.


No momento no qual estou acabando de ler o excelente "Olho de Vidro - A televisão e o estado de exceção da imagem" (Ed. Record), da filósofa gaúcha Marcia Tiburi, onde uma brilhante análise filosófica da televisão está me dando muito prazer, venho percebendo que estou de saco cheio da internet.


No nosso país, a grande rede de computadores além de praticamente repetir o padrão televisivo brasileiro, com seus personagens, fatos e linguagem (quando não reproduz os próprios programas da TV), ainda revela um lado terrível do povo do Brasil.


Basta uma lida nos comentários dos internautas brasileiros para se verificar um povo preconceituoso, beligerante, misógino, conservador, intolerante, além de semialfabetizado e com dificuldade para pensar.


[por causa da forma anônima e de multidão - e multidão anônima -, algumas dessas características são inerentes à condição humana, como nos lembra Freud em "Psicologia das Massas e Análise do Eu", mas basta navegar na internet por outras culturas e povos para se observar diferenças bem evidentes]


Confesso que muitas vezes tenho até um certo temor em ler os escritos dessa gente. Se "o inferno são os outros", como escreveu Sartre na sua peça "Entre Quatro Paredes", é um inferno, para mim, me deparar com tal constatação.


Todo esse quadro só confirma, mais uma vez, o que Sérgio Buarque de Hollanda já escrevera no capítulo "O Homem Cordial" da sua obra "Raízes do Brasil".


A passionalidade que desconhece a razão faz a festa em uma sociedade que comemora a ascensão das classes C e D.


Pequeno progresso econômico descolado de educação só pode resultar na atual música que é produzida no Brasil, na programação que domina a grade da TV brasileira e no que se ouve, lê e vê produzido ou comentado por internautas e sites brasileiros.


Contrariamente à felicidade demonstrada pelo antropólogo Hermano Vianna - para mim, a pior herança deixada pelos Paralamas do Sucesso à cultura brasileira - que vibra com memes como "minha mulher não deixa não", me sinto cada vez menos atraído pela grande rede diante da possibilidade de me deparar com esse tipo de material.


Que época vulgar vivemos (!) com a aquiescência de pessoas como esse antropólogo, que segue a cartilha tropicalista do "tudo é divino maravilhoso".


Obviamente, na internet, tenho a liberdade de procurar o que quiser, mas já estou cheio (o que configura um problema meu) dessa obsessão e deslumbre por um microblog e uma nova rede social, fundada por um caráter duvidoso, a monopolizar brasileiros. A mídia massifica exaustivamente esses novos produtos - como fez anteriormente com o Orkut.


Na França, por considerar propaganda, a imprensa prefere as palavras microblog e rede social às marcas Twitter e Facebook.


Sempre fui muito educado aqui nesse espaço virtual, embora algumas vezes um insolente educado, mas me sinto estimulado a resgatar aquele garoto que foi comunista, punk, existencialista e o diabo a quatro.


Que juventude é essa que xinga de vagabunda (pra baixo) toda e qualquer mulher que é destacada em notícias na internet?


E não me venham falar em "trollagem", que é apenas o pontapé inicial em alguns desses casos.


Não se discute, não se opina, não se pensa, os brasileiros só se ofendem na grande rede e produzem lixo e irrelevâncias em grande quantidade.


Como exemplo, basta dar uma conferida na qualidade dos nossos vloggers. Quase sempre que abro a página inicial do YouTube, um tal de Gil Brother está destacado como um dos campeões de audiência no site. Será essa a nossa alternativa às mídias tradicionais?


Será que toda a liberdade de expressão no espaço virtual esconde uma perversidade panóptica - o "vigiar" do "Vigiar e Punir" do Foucault?


A armadilha que reproduz na internet a captura da subjetividade e consciência realizada pela televisão, como pensado por Marcia Tiburi, também está presente pelo valor da audiência na grande rede de computadores.


Segundo a filósofa, "a impressão impagável de que o que se vê é real justamente por ser visto por todos é o que constitui o valor da comunidade a que chamamos de audiência".


Em um site de vídeos, nos blogs, microblogs ou em uma rede social, por exemplo, a existência do "joinha", da quantificação dos comentários, dos "seguidores" ou do "curtir" determina a audiência do produtor de conteúdo, do comentário, post ou dono do perfil.


Os mecanismos que contabilizam a audiência estão presentes no espaço virtual e determinam o que está sendo compartilhado (palavra tão presente e transformada em ícone para ser clicado) e o que está só, abandonado, visto por poucos ou ninguém.


A partir desses mecanismos, o pensamento da escritora gaúcha em relação à televisão pode ser aplicado à internet: "E, se todos veem, a garantia existencial de que não estamos sós vale mais ainda. Assim, o desejo da comunidade televisiva pode ser traduzido como um desejo de audiência".


Marcia Tiburi acrescenta: "Não apenas o desejo de ter audiência, de ser visto, mas de ser audiência, de constituir a comunidade voyeuse, a comunidade ligada pelo olho ideal, o olho de vidro".


A estratégia de controle das mídias tradicionais se repete em forma de farsa no universo virtual, apesar dos flash mobs, da primavera árabe (que abalou o outro lado da cerca) ou de um "flash mob" político aqui ou alí (manifestantes ocuparam e desocuparam Wall Street, por exemplo).


A realização de pesquisas eleitorais é a outra face do exercício dessa estratégia. Aferição é controle.


Para mim, revolução cultural no Brasil seria o desinteresse das massas por telenovelas - esse modelo que existe há 61 anos e agrega a nação. Será que a internet vai mudar esse hábito brasileiro? Ou será usada para referendar um novo produto com a mesma qualidade que venha a substituí-lo? [se algum dia ele for substituído]


"A libertação do ver televisivo se daria pela superação do caráter de audiência do olhar", insisto com o pensamento da filósofa sulista, estendendo esse pensamento à internet com seus mecanismos públicos de aferição.


E eu que iria zapear no meu "trivial variado", acabei me dedicando somente a um assunto - embora abrangendo algumas questões. Prefiro pedir a minha pequena audiência que me perdoe, do que mudar a introdução dessa coluna.


E para concluir da maneira insolente (deseducada) prometida, me lembro de que quando perguntado sobre o motivo de os seus textos mais conhecidos serem os apócrifos que circulam pela internet, Arnaldo Jabor disparou como um Joe Strummer em ação: "o povo gosta de merda!"



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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Carioca Aécio Neves

Quer dizer que o Senador por Minas Gerais, Aécio Neves, atuou como um aliado do Rio de Janeiro na votação dos royalties do pré-sal?


Teria o nobre senador colocado o senso de justiça acima das questões regionais?


Aécio Neves se lançou candidato ao senado, prometendo defender os interesses de Minas Gerais na questão dos royalties do pré-sal e mudou de posição quando eleito?


[estou fazendo mais perguntinhas do que a historiadora Mary Del Priore no seu último livro]


Para quem, como eu, cresceu ouvindo o pai dizer "não me envergonho de me desdizer, porque não me envergonho de raciocinar", não seria nada condenável essa surpreendente mudança de posição do político mineiro.


Mas pera aí; essa reflexão paterna não pode ser aplicada a um político que defende uma posição em campanha, se elege e vota na posição contrária a defendida por ele durante a eleição.


Os eleitores desse político poderão se sentir traídos.


Não me atrevo a dar opinião ou pensar sobre questão tão polêmica, embora adore uma, e no entanto não me contenho a achar (de forma pouco pensada e irresponsável) que se deva diminuir os abismos, as diferenças sociais e econômicas entre os Estados da Federação.


Assim como, me parece absurdo os dois estados produtores terem que pagar aos demais estados os valores já recebidos - como me lembra com propriedade e conhecimento o advogado Nelson Medrado Dias.


Voltando ao mutante senador mineiro, confesso que sempre senti pena dele.



Ao vê-lo engravatado, circulando por sóbrios ambientes atapetados, cercado de sisudos senhores, enterrado em infinitas reuniões, já me peguei pensando que o político mineiro seria muito mais feliz como dono de um restaurante carioca, por exemplo.


Sim, imaginem a cena comigo: Aécio Neves dono de um restaurante na Dias Ferreira, no Leblon, chegando ao estabelecimento às 16 horas, depois de pegar uma prainha e antes de ir à academia malhar.


Usando uma bermuda no style, tomando aquela água-de-coco, andando de bike no bairro, pegando geral.


Para quem não mora aqui no Estado e não sabe, o senador Aécio Neves vive no Rio de Janeiro. Em certos períodos, o político mineiro é quase como o Rabugento, o hilário cachorro Mumbly (foto) dos desenhos animados: está em toda a parte. Em toda a parte e ao mesmo tempo - como o Rabugento.


Ele pode ser visto na praia de Ipanema - sempre em frente ao edifício Cap Ferrat -, na quadra da Mangueira, bebendo no Jobi (famoso bar do Leblon), jantando no Baixo Gávea (centro boêmio), ou sendo parado pela blitz da Lei Seca - vindo do bairro da Barra - e se recusando a fazer o teste do bafômetro.


Nem os mandatos de deputado federal ou governador de Minas Gerais arrefeceram a onipresença carioca de Aécio Neves. Sempre acompanhado de belas mulheres, ele segue intrépido em plagas cariocas.


Ah, essa minha imaginação indomável... ..."o que eu vou ser quando crescer? Político? Política é chato pra caralho. Mas o meu avô é respeitado e famoso. Vou entrar na política!"


E o Rio de Janeiro perdeu mais um filho que se faria adotado...


Uma pena, porque sou simpático ao "Lugar Nenhum" dos Titãs. Devemos procurar o nosso lugar, que nem sempre é onde nascemos ou até moramos.


Eu, por exemplo, seria muito mais carioca se gostasse de praia com Sol, gostasse de calor (que odeio), curtisse funk carioca ou pagode, frequentasse quadra de Escola de Samba o ano inteiro, gostasse de Carnaval, fosse adepto da pouca roupa (ou nenhuma), trocasse as botas por chinelos, pegasse um bronzeado, tivesse pouco ou nenhum rigor com compromissos e horários,




fosse à academia com o prazer de quem vai a um evento social, torcesse pelo time da maioria, as minhas roupas não fossem acromáticas, curtisse as gírias cariocas que invariavelmente tem acento playboy e outlaw, embarcasse com facilidade em modismos e, principalmente, se fosse mais relax e menos crítico.


Então, por que não saio do Rio? Ao contrário do senador mineiro, não tenho um sobrenome que me prenda ao estado, mas questões particulares (no departamento amoroso) me impedem de tal mudança.


Entretanto, nem tudo está perdido. O parlamentar da terra do escritor Ruy Castro - que mora aqui no Rio e se diz torcedor fanático do time da maioria -, caso não conquiste à presidência da República, poderá em um futuro próximo se candidatar ao governo do Estado do Rio de Janeiro. [é só uma ideia]


Quanto a mim, terei uma tarefa muito mais difícil, muito mais árdua:


a elaboração e realização de um intenso lobby junto à namorada.



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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Exclusivo: Porque a Miss Brasil Não Venceu


Quando eu era criança, gostava muito das histórias do Bolinha nas quais ele se transformava no detetive Aranha e resolvia os mistérios e problemas da vida da Lulu.


Em todos os casos solucionados, a conclusão era sempre a mesma: o culpado era o pai da Lulu.


Por exemplo: misteriosamente, sem que ninguém a comesse, a comida estava sumindo da geladeira da casa Lulu.


O pai da Lulu ficou preocupado e tratou de reunir a família, para questionar o problema.


Ele estava de dieta e ninguém na casa dele se responsabilizou pelo sumiço.


Lulu recorreu ao Bola, ele se transformou no detetive Aranha e depois de muita investigação, a sentença foi implacável: o culpado era o próprio pai da Lulu.


Bola, quer dizer, o detetive Aranha ficou de plantão na casa da Lulu e descobriu que o pai dela estava sofrendo de sonambulismo e atacava a geladeira à noite.


Pois alguém deve ter ficado sob o espírito do Bolinha, quer dizer, do detetive Aranha e me enviou um áudio que revela porque a Miss Brasil 2011, Priscila Machado (foto), não venceu o Miss Universo.


Nas próximas linhas, revelarei o conteúdo de tal áudio.


OBS: como se sabe pelos sites de fofoca jornalística, a belíssima Miss Brasil 2011 está namorando Bruno de Luca - que é uma espécie de artista.



- Amor eu estive pensando... ...e se você fugisse do protocolar, fugisse do habitual?


- Como assim?


- É só uma ideia, Amor, mas se ao invés de ficar engessada em gestos e modos tradicionais, você mostrasse o nosso tempero, a nossa garra, o nosso calor. A cada etapa de eliminação, se você se classificar, e é claro que você conseguirá, você vibrasse, você comemorasse com vibração - explicava e começava a se empolgar, o jovem artista.


- Vibrar como?


- Por exemplo: quando forem anunciadas as primeiras classificadas, você cerra os punhos, junta os braços e os abaixa com vigor em comemoração, tipo assim: Yeah !!!


- Mas, Luquinha, isso não fica bem pra uma Miss...


- Que nada! Tradições 'ixtão' aí para serem 'quebradax' - sentenciou o artista paulista com sotaque de surfista carioca.


- A organização do concurso não vai gostar nada disso...


- E tem mais - já se empolgava amalucadamente o jovem -, na outra classificação você faz uma coisa muito nossa, muito popular, assim super espontânea: faz o sinal da cruz! Amor, o brasileiro tem fé, é um povo que não desiste nunca. Mostre a nossa história, as nossas raízes.


- Você só pode estar brincando, Luquinha...


- Depois, faça o "nana nenê" do Bebeto na Copa, o dedinho para os céus, o soco no ar. Amor, o futebol é o que nos distingue no mundo.


Entusiasmado, o jovem artista emendou:


- Por mim, você mesclava o seu andar classudo com uma requebrada, umas reboladas. Somos o maior mix cultural! Temos swing, ziriguidum, telecoteco, balacobaco! Amorzinho, sacode o popozão!


- Mas, Luquinha, eu sou gaúcha e, além do mais, isso tudo não é compatível com a postura de uma Miss. Isso vai contra tudo o que eu aprendi e sei fazer muito bem. E você se esquece que eu tenho corpo de modelo, Luquinha.


- Ah, você nunca ouviu aquela música da Rita Lee? "Será que ela vai continuar uma tradição/Será que ela quer modificar uma geração/Lá vem ela/ Miss Brasil 2000/Miss Brasil 2000..." - o rapaz enlouquecia.


- Ah, Luquinha...


Visivelmente apaixonada, com o coração descompassado...


Na hora da competição internacional, foi o que se viu: a articulada, charmosa e belíssima Miss Brasil 2011, Priscila Machado, foi só braços.


Os muito maldosos chegaram a dizer que ela parecia estar inspirada pelo Bonecão do Posto.



No entanto, o vestido amarelo não tem explicação.




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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Crime e Medida

O assassinato brutal de crianças, na imprensa, e as razões profundas, ou a falta delas, que condenam o homem ao absurdo.


"O homem é a medida de todas as coisas", de Protágoras, foi confirmado em cada texto, depoimento, opinião, revolta, análise e perplexidade diante do ocorrido.


Jorge Coli em "O Lenço e o Caos", no livro "Os Sentidos da Paixão" (Funarte/Companhia das letras), destaca o acaso em Shakespeare como algo incompreensível. "Agente da catástrofe, sua presença é o sinal da inexistência de um sentido explícito para aquilo que Montaigne chamaria 'a humana condição'."


O escritor francês, segundo Coli, "indica a perplexidade diante da ausência perceptível de qualquer desígnio superior, de qualquer sinal decifrável do mundo."


Para o professor paulista, o acaso revela "a sua incapacidade completa de atingir as razões profundas. Se elas existem ou não, no fundo, pouco importa: o homem é condenado ao absurdo."


No triste episódio da chacina, a medida do homem se manifestou no porteiro do prédio onde moro defendendo a importância da presença de vigias ou seguranças em escolas públicas, nos defensores do porte de armas, nos opositores a este comércio, nos políticos da base aliada decantando a emoção da presidente com o ocorrido,



no show de cobertura da mídia, nos opositores ao bullying, nos defensores de um bullying light, nas autoridades estaduais auto-elogiosas de sua segurança pública, nos defensores dos video games, nos inimigos dos video games, e nos "diagnósticos" de psiquiatras forenses ou não, entre outras tantas manifestações.


O crime hediondo me pegou quase no fim de uma nova leitura de "Humano, Demasiado Humano" de Nietzsche (desta vez, com a excelente tradução de Paulo César de Souza).


Não me fez bem. Entre possíveis questões éticas, epistemológicas, artísticas (humanas), lógicas, e metafísicas, fui fisgado pela última; mais precisamente pelo questionamento dela. Foi esta a minha medida naquele momento.


A Filosofia costuma operar movimentos na minha saúde: a favor ou contra. O escritor indígena, graduado em Filosofia, Daniel Munduruku, me lembra a relação estreita entre conhecimento e crise.


Como se sabe, Nietzsche questionou a metafísica dos gregos clássicos e se aproximou dos pré-socráticos - desqualificados pelo platonismo. Para Liszt Vieira, "toda a vez que perguntamos sobre a significação ou sobre a essência de alguma coisa, nós estamos no domínio metafísico."


Foi nesta questão que eu mergulhei a partir do crime e sob as minhas leituras concomitantes.


Em "Nietzsche e a Reversão do Platonismo", Liszt Vieira ainda acrescenta: "Na realidade, o que Nietzsche faz é desnaturalizar a verdade, isto é, desnaturalizar as essências, acabar com a dualidade que Platão instaura entre essência e aparência. Porque a essência de uma determinada coisa vai ser dada em função da força que se apodera daquela coisa."


No momento após o crime e de minhas livres e indisciplinadas associações, o que me fascinou foi ter descoberto uma carta de Freud revelando o seu desprezo pelo homem.


Trata-se do artigo de Simone Perelson intitulado "O 'super-homem' e o 'pai da horda': considerações éticas".


No artigo, é analisado o super-homem (o além-do-homem) de Nietzsche, em "Assim Falou Zaratustra", pela visão de Freud que o desloca no tempo, retirando-o do futuro e associando-o com o pai da horda primitiva descrito por ele em "Totem e Tabu".


Freud afirma este deslocamento em "Psicologia das massas e análise do eu" e Perelson - apoiada em vasta bibliografia - analisa como ocorre este deslocamento, os pontos em comum e divergentes entre os dois gênios, e o equívoco de Freud - além de um provável motivo para este equívoco: "Movido por uma leitura de Nietzsche marcada por um fascínio que impediu o aprofundamento necessário..."


Segue Perelson: "Entretanto, é justamente quando parece buscar indicar as suas diferenças, com relação ao que sustenta o filósofo, é que Freud mostra-se surpreendentemente próximo de suas ideias"; "Talvez possamos afirmar, (...), que Freud é nietzschiano não tanto onde espera ser, em suas referências explícitas ao filósofo, mas, antes, ali onde não sabe que o é."


A tal carta citada parágrafos acima enfatiza a diferença e a convergência entre os dois autores. Depois da transmutação dos valores, Nietzsche espera um homem pós-histórico. Freud não tem qualquer interesse por uma nova moral, embora muito se aproxime do filósofo como crítico do homem.


Em uma carta a Pfister, Freud escreve: "Se é preciso falar de uma ética, professo, em meu nome, um ideal elevado, dos quais os ideais que conheço se distanciam em geral de uma maneira das mais lamentáveis."


Freud acrescenta: "A ética me é estranha. Eu não quebro muito a minha cabeça a respeito do bem e do mal, mas na média, descobri muito pouco 'bem' nos homens. Pelo que sei, quer invoquem tal ou tal outra doutrina – ou nenhuma – não são em sua maioria senão canalhas."


Para mudar o tom e o andamento, já comecei a ler "Histórias íntimas - sexualidade e erotismo no Brasil" (Ed. Planeta) de Mary del Priore.


Como o Leão da Montanha da Hanna-Barbera, também sei identificar o momento necessário de buscar uma saída lateral estratégica.



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