segunda-feira, 12 de julho de 2010
BRASIL SIL SIL SIL SIL...
Duas coisas que eu curto muito em Copa do Mundo: reconhecer os clubes europeus dos jogadores das seleções e ligar a TV antes do início dos jogos para escutar - em volume alto - os hinos dos países.
Associar o atleta fulano ao clube sicrano ("ih, olha lá o Medergaster que joga no Fluor da Tanzânia") é um exercício pernóstico, que ajuda a diferenciar o torcedor de ocasião, do torcedor que acompanha futebol o ano todo todos os anos.
Curtir os hinos é coisa de quem gosta de música e de uma carga dramática - com o peso da história.
Para um britânico, ouvir o seu hino deve arrepiar pela lembrança do "sangue, sofrimento, lágrimas e suor" na vitória sobre a Alemanha nazista e, talvez, pela saúde pública conquistada (obrigado pela informação, Michael Moore).
Nos Estados Unidos, muito provavelmente, deve pesar na carga dramática toda a produção de chá destruída (a tal "remessa de lucros" do velho Brizola) e a consequente vitória sobre os ingleses.
Na França, a Revolução Francesa é a mãe de todas as revoluções e explica o porquê dos franceses quebrarem tudo, incendiarem o país toda vez que tentam mexer numa vírgula da sua CLT (o tal do "pacto social", "flexibilização", "livre negociação" que nós conhecemos tão bem).
A Marselhesa toca e a emoção aflora.
Em Cuba, durante as Olimpíadas, nas partidas de baseball, o hino cubano deve lembrar as muitas medalhas de ouro conquistadas e, muito provavelmente, a vitória sobre uma ditadura apoiada pelos States - além da saúde pública.
No Brasil, o Hino Nacional Brasileiro lembra onze homens perfilados de short e chuteiras.
O que aliás é muito apropriado ao evento Copa do Mundo, no qual temos mais títulos; além de ser conveniente esquecermos o massacre promovido no Paraguai.
Entre os meus hinos favoritos estão todos os citados acima, a exceção do cubano - que não conheço por não acompanhar baseball, um esporte impossível de ser entendido -, e o belíssimo hino da Alemanha.
Mas para mim, não existe melhor, mais impactante, pomposa (no bom sentido), dramática introdução de hino do que a do Hino Nacional Brasileiro.
A belíssima música de Francisco Manuel da Silva e a quilométrica (e hermética para a maioria dos brasileiros) letra de Joaquim Osório Duque Estrada tem uma introdução me-respeitem-cheguei de responsa.
Entretanto, foi só eu descobrir que é atribuído ao cidadão Américo de Moura, natural de Pindamonhangaba, uma letra à introdução do hino, para eu ouví-la com outros ouvidos.
É claro que a tal letra foi excluída da versão oficial (como se ela já não tivesse letra suficiente).
Se você se lembra da intro do nosso hino, vai saber cantar. Cante comigo:
"Espera o Brasil que todos cumprais o vosso dever/Eia! avante, brasileiros! Sempre avante/Gravai com buril nos pátrios anais o vosso poder/Eia! avante, brasileiros! Sempre avante
Servi o Brasil sem esmorecer, com ânimo audaz/Cumpri o dever na guerra e na paz/À sombra da lei, à brisa gentil/O lábaro erguei do belo Brasil/Eia sus, oh sus!"
["Eia sus, oh sus", seria algo como "em frente! Avante!"]
"Gravai com buril nos pátrios anais o vosso poder" ???
Não poderia dar certo mesmo... ...ou, talvez, isso explique tudo; o fato é que assistindo aos jogos do Brasil com amigos, percebi que muita gente torce em silêncio, discretamente, "secretamente", contra a seleção brasuca.
Isto posto, comecei a pensar nessas pessoas e nas motivações contrárias.
Devem ser, acredito eu (estou muito no clima socrático do "só sei que nada sei" - deve ser a idade), torcedores que sentem saudade da época na qual os seus clubes, aqui no Brasil, cediam jogadores à seleção e eles podiam sentir orgulho do seu time de coração representar o país - além da gozação com o amigo(a) do lado que torcesse para outro clube, que não o do beltrano que fez um gol com a amarelinha.
Diferenças, na boa, sob a mesma bandeira.
Mas tem mais gente:
niilistas; misantropos, anarquistas; gente que detesta locutores histéricos com acento nacionalista fascistóide; provocadores; torcedores que não gostam da companhia dos torcedores de ocasião; frequentadores de bares e restaurantes que odeiam a praga das TVs ligadas nestes estabelecimentos o ano todo todos os anos - hábito motivado pelas Copas do Mundo -; gente a favor do contra; solitários; punks; metalheads;
torcedores acostumados a ter como rival um time de maior torcida; iconoclastas; gente que não gosta do treinador do escrete nacional; oposionistas à situação na CBF; jogadores preteridos na convocação; pessoas inconformadas com a preterição; cidadãos que odeiam futebol;
brasileiros que criticam o país por colecionar Copas do Mundo com jogadores que são o orgulho de torcedores de outros países (além de patrimônio dos clubes estrangeiros), jogadores esses que são a primeira e segunda divisão do futebol brasileiro, enquanto os clubes daqui estão falidos - ao contrário dos nossos cartolas;
comerciantes que deixam de faturar em época de Copa; comunistas que ainda acreditam no comunismo e na revolução pela revolta popular (e no sentimento de classe contra classe - jogadores ricos); criaturas que não suportam os "filósofos", "gênios", "sábios" que analisam, analisam e analisam antes e depois das pelejas;
rockers; pós-punks; shoegazers; mods; rockabillies (que têm a libido noutra parada); opositores ao presidente da república em exercício durante a Copa; espíritos de porco; satanistas; hedonistas que praticam outro esporte;
esquizofrênicos que torcem um tempo para cada time; existencialistas que não veem sentido no esporte bretão; ateus que não acreditam nos deuses do futebol; agnósticos que duvidam da existência desses deuses;
generosos que acham que o Brasil já ganhou demais e que os outros deveriam ter chance também; indivíduos que acham que o brasileiro é arrogante quando se trata de futebol; cachorros que odeiam fogos de artifício e buzinas diversas; brasileiros que não querem ver o país associado à novela, futebol e bunda;
enfim, somos (ops!), são milhões de pessoas que secretamente, clandestinamente, subversivamente torcem em silêncio (ou não) contra o escrete nacional.
Ainda não é uma atividade ilegal.
Quanto a mim, nos dias de jogo da seleção canarinho, poderei ser visto em frente à TV bradando a plenos pulmões:
"Eia sus, oh sus; tan, tan, tan...".
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