segunda-feira, 25 de abril de 2011

Crime e Medida

O assassinato brutal de crianças, na imprensa, e as razões profundas, ou a falta delas, que condenam o homem ao absurdo.


"O homem é a medida de todas as coisas", de Protágoras, foi confirmado em cada texto, depoimento, opinião, revolta, análise e perplexidade diante do ocorrido.


Jorge Coli em "O Lenço e o Caos", no livro "Os Sentidos da Paixão" (Funarte/Companhia das letras), destaca o acaso em Shakespeare como algo incompreensível. "Agente da catástrofe, sua presença é o sinal da inexistência de um sentido explícito para aquilo que Montaigne chamaria 'a humana condição'."


O escritor francês, segundo Coli, "indica a perplexidade diante da ausência perceptível de qualquer desígnio superior, de qualquer sinal decifrável do mundo."


Para o professor paulista, o acaso revela "a sua incapacidade completa de atingir as razões profundas. Se elas existem ou não, no fundo, pouco importa: o homem é condenado ao absurdo."


No triste episódio da chacina, a medida do homem se manifestou no porteiro do prédio onde moro defendendo a importância da presença de vigias ou seguranças em escolas públicas, nos defensores do porte de armas, nos opositores a este comércio, nos políticos da base aliada decantando a emoção da presidente com o ocorrido,



no show de cobertura da mídia, nos opositores ao bullying, nos defensores de um bullying light, nas autoridades estaduais auto-elogiosas de sua segurança pública, nos defensores dos video games, nos inimigos dos video games, e nos "diagnósticos" de psiquiatras forenses ou não, entre outras tantas manifestações.


O crime hediondo me pegou quase no fim de uma nova leitura de "Humano, Demasiado Humano" de Nietzsche (desta vez, com a excelente tradução de Paulo César de Souza).


Não me fez bem. Entre possíveis questões éticas, epistemológicas, artísticas (humanas), lógicas, e metafísicas, fui fisgado pela última; mais precisamente pelo questionamento dela. Foi esta a minha medida naquele momento.


A Filosofia costuma operar movimentos na minha saúde: a favor ou contra. O escritor indígena, graduado em Filosofia, Daniel Munduruku, me lembra a relação estreita entre conhecimento e crise.


Como se sabe, Nietzsche questionou a metafísica dos gregos clássicos e se aproximou dos pré-socráticos - desqualificados pelo platonismo. Para Liszt Vieira, "toda a vez que perguntamos sobre a significação ou sobre a essência de alguma coisa, nós estamos no domínio metafísico."


Foi nesta questão que eu mergulhei a partir do crime e sob as minhas leituras concomitantes.


Em "Nietzsche e a Reversão do Platonismo", Liszt Vieira ainda acrescenta: "Na realidade, o que Nietzsche faz é desnaturalizar a verdade, isto é, desnaturalizar as essências, acabar com a dualidade que Platão instaura entre essência e aparência. Porque a essência de uma determinada coisa vai ser dada em função da força que se apodera daquela coisa."


No momento após o crime e de minhas livres e indisciplinadas associações, o que me fascinou foi ter descoberto uma carta de Freud revelando o seu desprezo pelo homem.


Trata-se do artigo de Simone Perelson intitulado "O 'super-homem' e o 'pai da horda': considerações éticas".


No artigo, é analisado o super-homem (o além-do-homem) de Nietzsche, em "Assim Falou Zaratustra", pela visão de Freud que o desloca no tempo, retirando-o do futuro e associando-o com o pai da horda primitiva descrito por ele em "Totem e Tabu".


Freud afirma este deslocamento em "Psicologia das massas e análise do eu" e Perelson - apoiada em vasta bibliografia - analisa como ocorre este deslocamento, os pontos em comum e divergentes entre os dois gênios, e o equívoco de Freud - além de um provável motivo para este equívoco: "Movido por uma leitura de Nietzsche marcada por um fascínio que impediu o aprofundamento necessário..."


Segue Perelson: "Entretanto, é justamente quando parece buscar indicar as suas diferenças, com relação ao que sustenta o filósofo, é que Freud mostra-se surpreendentemente próximo de suas ideias"; "Talvez possamos afirmar, (...), que Freud é nietzschiano não tanto onde espera ser, em suas referências explícitas ao filósofo, mas, antes, ali onde não sabe que o é."


A tal carta citada parágrafos acima enfatiza a diferença e a convergência entre os dois autores. Depois da transmutação dos valores, Nietzsche espera um homem pós-histórico. Freud não tem qualquer interesse por uma nova moral, embora muito se aproxime do filósofo como crítico do homem.


Em uma carta a Pfister, Freud escreve: "Se é preciso falar de uma ética, professo, em meu nome, um ideal elevado, dos quais os ideais que conheço se distanciam em geral de uma maneira das mais lamentáveis."


Freud acrescenta: "A ética me é estranha. Eu não quebro muito a minha cabeça a respeito do bem e do mal, mas na média, descobri muito pouco 'bem' nos homens. Pelo que sei, quer invoquem tal ou tal outra doutrina – ou nenhuma – não são em sua maioria senão canalhas."


Para mudar o tom e o andamento, já comecei a ler "Histórias íntimas - sexualidade e erotismo no Brasil" (Ed. Planeta) de Mary del Priore.


Como o Leão da Montanha da Hanna-Barbera, também sei identificar o momento necessário de buscar uma saída lateral estratégica.



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