terça-feira, 3 de abril de 2012

Um Café Filosófico no Rio


A livraria Argumento no Leblon foi o palco do lançamento dos livros "Poesia e Filosofia", do filósofo e poeta Antonio Cicero, e "Clarice Lispector: Uma Literatura Pensante" do escritor e ensaísta Evando Nascimento - organizador da Coleção Contemporânea da editora Civilização Brasileira.


Os dois autores participaram de um concorrido debate acompanhados de Caetano Veloso e Francisco Bosco, que assinam colunas no jornal O Globo.


Com essa escalação, como se esperava, o debate foi inteligente, instigante e bem humorado. Antonio Cicero não vê nenhuma semelhança entre Filosofia e Poesia. Para o filófofo e poeta, as suas duas atividades são inconciliáveis.


Quando alguém na plateia citou o Zaratustra de Nietzsche como um possível encontro entre Filosofia e Poesia, Antonio Cicero me surpreendeu ao dizer que não gosta do filósofo alemão, porque ele se contradiz.


Cicero pensar que Filosofia e Poesia se encontram em pólos opostos, me estimulou a comprar o seu livro. Embora, em muitas ocasiões - nunca em Heidegger, por exemplo -, mesmo traduzida para o português, a Filosofia tenha provocado em mim um enlevo muito parecido com o proporcionado pela boa Poesia.


[na maioria das vezes nas quais tal sensação ocorreu comigo, lia Nietzsche em português. Um acaso nos casos em que, aliado a um brilhante conteúdo, houve ritmo e som em bela harmonia - para mim]


Antonio Cicero poderia ter dito que não gosta da filosofia nietzschiana (o que teria sido bem diferente), mas ele disse que não gosta do filósofo por ele, Nietzsche, ser contraditório.


Atônito, eu pensei: além de poeta e um grande letrista pop, Antonio Cicero é uma potência intelectual.


Quando eu estava nascendo ou ainda pirralho, o cara já era graduado em faculdades brasileiras, inglesa e com uma pós nos Estados Unidos. Entre outras línguas, ele fala grego e latim!!! Porra, não tenho autoridade para pensar o que estou pensando.


Será que ele não entendeu o Nietzsche? Apontar a contradição é recorrência na Filosofia nietzschiana. Não existe absoluto. Nem a matemática (já limitada a ferramenta por Descartes) e as ciências exatas escaparam da sua desconstrução. Todo pensamento (ou uma mera opinião) revela um interesse. Tudo é subjetivação e por isso contraditório (?). [em certas épocas da História, esse pensamento levava à fogueira]


Mais adiante, o letrista, poeta e filósofo deu um exemplo surpreendentemente ridículo para mostrar o seu desapreço pelo intelectual alemão: "você não pode colocar uma caneta aqui (mexeu em uma caneta em cima da mesa dos debatedores), dizer que ela tem que ficar aqui e depois mudá-la de posição e dizer que ela tem que ficar ali."


Claro que pode!!! Pode haver capricho ou necessidade na mudança (ou um deslocamento da noção de verdade para as de valor e perspectiva - segundo Eduardo Brandão em artigo).  


Foi negativamente estranho, mas o debate ainda causaria um "oh!" coletivo quando Francisco Bosco disparou: "Não se aprende nada com a Poesia!".


Ele repetiu essa frase com autoridade e tom bem grave na voz. Causou impacto. Eu gosto desse tipo de provocação e, por isso, voltei para casa pensando nessa afirmação.


[inclusive, porque Francisco Bosco é o tipo de cara que joga contra a minha pouca esperança na humanidade. O garoto é muitas vezes brilhante, embora seja refém de um tom "professoral" e do formato de ensaio, que não é o mais adequado a sua mídia cercada de factual por todos os lados]


Bem, além de ter sido pouco elegante uma afirmação dessa, naquele tom, estando ao lado do Caetano Veloso (que fez uma cara de espanto cheia de humor e abriu um sorriso quase paternal - coisa que se adquire com a idade), tal afirmação não se sustenta.


A arte depura a sensibilidade e é um degrau importante na conquista de cultura e no desenvolvimento da inteligência.


Eu não cheguei à Filosofia e à Psicanálise pelo meu interesse em esportes, política ou História. Foi a arte que me levou a essas duas ciências.


Eu aprendi com a Poesia (e ainda estou aprendendo) - sonoridade e ritmo, língua portuguesa, um pouco da inglesa, sobre mim mesmo, História, sobre questões existenciais e amorosas que me conduziram à Filosofia e Psicanálise, entre outros aprendizados que me levaram a saber que nada sei. 


O próprio Nietzsche considerava a arte importante para se "passar mais facilmente para uma ciência filosófica realmente libertadora" (em "Humano, Demasiado Humano").


Entre o espanto e a minha ousadia, concluí que a minha querida Dra. Maheva tinha razão quando, na década de 90 do século passado, me disse que até as pessoas muito inteligentes falam muita bobagem.



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