terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Do Trivial Variado (que acabou não sendo)

Em meio aos bueiros que explodem, ao naufrágio do pedalinho da Lagoa Rodrigo de Freitas, restaurante que explodiu, prédio que desabou, a explosão no Cais do Porto, ao roubo no Aeroporto Internacional Tom Jobim, acidente com barca no trajeto Rio-Niterói, bondinho cartão-postal que despencou, eu sigo a minha vida no Rio de Janeiro e me lembro do Arthur da Távola.

No final da década de 70 do século passado, o advogado e jornalista escrevia sobre televisão no jornal O Globo, quase sempre analisando e louvando os programas da emissora da mesma empresa onde trabalhava.


De forma muito parecida com a realizada por Patrícia Kogut no mesmo O Globo atualmente.


Pois o Arthur da Távola, algumas vezes, escrevia a sua coluna sob o título "Do Trivial Variado", na qual falava sobre vários assuntos.


Sob essa inspiração (apenas nessa ideia; o colunista nunca foi meu inspirador), resolvi retomar às atividades aqui no Uma Coluna Virtual.


No momento no qual estou acabando de ler o excelente "Olho de Vidro - A televisão e o estado de exceção da imagem" (Ed. Record), da filósofa gaúcha Marcia Tiburi, onde uma brilhante análise filosófica da televisão está me dando muito prazer, venho percebendo que estou de saco cheio da internet.


No nosso país, a grande rede de computadores além de praticamente repetir o padrão televisivo brasileiro, com seus personagens, fatos e linguagem (quando não reproduz os próprios programas da TV), ainda revela um lado terrível do povo do Brasil.


Basta uma lida nos comentários dos internautas brasileiros para se verificar um povo preconceituoso, beligerante, misógino, conservador, intolerante, além de semialfabetizado e com dificuldade para pensar.


[por causa da forma anônima e de multidão - e multidão anônima -, algumas dessas características são inerentes à condição humana, como nos lembra Freud em "Psicologia das Massas e Análise do Eu", mas basta navegar na internet por outras culturas e povos para se observar diferenças bem evidentes]


Confesso que muitas vezes tenho até um certo temor em ler os escritos dessa gente. Se "o inferno são os outros", como escreveu Sartre na sua peça "Entre Quatro Paredes", é um inferno, para mim, me deparar com tal constatação.


Todo esse quadro só confirma, mais uma vez, o que Sérgio Buarque de Hollanda já escrevera no capítulo "O Homem Cordial" da sua obra "Raízes do Brasil".


A passionalidade que desconhece a razão faz a festa em uma sociedade que comemora a ascensão das classes C e D.


Pequeno progresso econômico descolado de educação só pode resultar na atual música que é produzida no Brasil, na programação que domina a grade da TV brasileira e no que se ouve, lê e vê produzido ou comentado por internautas e sites brasileiros.


Contrariamente à felicidade demonstrada pelo antropólogo Hermano Vianna - para mim, a pior herança deixada pelos Paralamas do Sucesso à cultura brasileira - que vibra com memes como "minha mulher não deixa não", me sinto cada vez menos atraído pela grande rede diante da possibilidade de me deparar com esse tipo de material.


Que época vulgar vivemos (!) com a aquiescência de pessoas como esse antropólogo, que segue a cartilha tropicalista do "tudo é divino maravilhoso".


Obviamente, na internet, tenho a liberdade de procurar o que quiser, mas já estou cheio (o que configura um problema meu) dessa obsessão e deslumbre por um microblog e uma nova rede social, fundada por um caráter duvidoso, a monopolizar brasileiros. A mídia massifica exaustivamente esses novos produtos - como fez anteriormente com o Orkut.


Na França, por considerar propaganda, a imprensa prefere as palavras microblog e rede social às marcas Twitter e Facebook.


Sempre fui muito educado aqui nesse espaço virtual, embora algumas vezes um insolente educado, mas me sinto estimulado a resgatar aquele garoto que foi comunista, punk, existencialista e o diabo a quatro.


Que juventude é essa que xinga de vagabunda (pra baixo) toda e qualquer mulher que é destacada em notícias na internet?


E não me venham falar em "trollagem", que é apenas o pontapé inicial em alguns desses casos.


Não se discute, não se opina, não se pensa, os brasileiros só se ofendem na grande rede e produzem lixo e irrelevâncias em grande quantidade.


Como exemplo, basta dar uma conferida na qualidade dos nossos vloggers. Quase sempre que abro a página inicial do YouTube, um tal de Gil Brother está destacado como um dos campeões de audiência no site. Será essa a nossa alternativa às mídias tradicionais?


Será que toda a liberdade de expressão no espaço virtual esconde uma perversidade panóptica - o "vigiar" do "Vigiar e Punir" do Foucault?


A armadilha que reproduz na internet a captura da subjetividade e consciência realizada pela televisão, como pensado por Marcia Tiburi, também está presente pelo valor da audiência na grande rede de computadores.


Segundo a filósofa, "a impressão impagável de que o que se vê é real justamente por ser visto por todos é o que constitui o valor da comunidade a que chamamos de audiência".


Em um site de vídeos, nos blogs, microblogs ou em uma rede social, por exemplo, a existência do "joinha", da quantificação dos comentários, dos "seguidores" ou do "curtir" determina a audiência do produtor de conteúdo, do comentário, post ou dono do perfil.


Os mecanismos que contabilizam a audiência estão presentes no espaço virtual e determinam o que está sendo compartilhado (palavra tão presente e transformada em ícone para ser clicado) e o que está só, abandonado, visto por poucos ou ninguém.


A partir desses mecanismos, o pensamento da escritora gaúcha em relação à televisão pode ser aplicado à internet: "E, se todos veem, a garantia existencial de que não estamos sós vale mais ainda. Assim, o desejo da comunidade televisiva pode ser traduzido como um desejo de audiência".


Marcia Tiburi acrescenta: "Não apenas o desejo de ter audiência, de ser visto, mas de ser audiência, de constituir a comunidade voyeuse, a comunidade ligada pelo olho ideal, o olho de vidro".


A estratégia de controle das mídias tradicionais se repete em forma de farsa no universo virtual, apesar dos flash mobs, da primavera árabe (que abalou o outro lado da cerca) ou de um "flash mob" político aqui ou alí (manifestantes ocuparam e desocuparam Wall Street, por exemplo).


A realização de pesquisas eleitorais é a outra face do exercício dessa estratégia. Aferição é controle.


Para mim, revolução cultural no Brasil seria o desinteresse das massas por telenovelas - esse modelo que existe há 61 anos e agrega a nação. Será que a internet vai mudar esse hábito brasileiro? Ou será usada para referendar um novo produto com a mesma qualidade que venha a substituí-lo? [se algum dia ele for substituído]


"A libertação do ver televisivo se daria pela superação do caráter de audiência do olhar", insisto com o pensamento da filósofa sulista, estendendo esse pensamento à internet com seus mecanismos públicos de aferição.


E eu que iria zapear no meu "trivial variado", acabei me dedicando somente a um assunto - embora abrangendo algumas questões. Prefiro pedir a minha pequena audiência que me perdoe, do que mudar a introdução dessa coluna.


E para concluir da maneira insolente (deseducada) prometida, me lembro de que quando perguntado sobre o motivo de os seus textos mais conhecidos serem os apócrifos que circulam pela internet, Arnaldo Jabor disparou como um Joe Strummer em ação: "o povo gosta de merda!"



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