quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Também de Volta ao Metal


O jornalista Arthur Dapieve escreveu uma crônica na qual dizia estar novamente ouvindo metal. Quase não acreditei e fiquei muito satisfeito quando li "De preto, de novo - Crônica de um reencontro com o metal" do colunista de O Globo.

 
A minha incredulidade se deu porque, assim como o Dapieve, também não sou mais garoto e a satisfação foi pelo fato de estar acompanhado de um cara inteligente neste meu retorno.
 

Sim, eu também voltei a ouvir metal e afins.
 

Tudo começou no ano passado. Se em 2007, este colunista virtual aqui descobriu (antes tarde do que nunca) o jazz - e por isso entendeu (entendi) muito melhor o blues, soul, funk, rock e seus inúmeros subgêneros - em 2009, o som pesado tomou de vez novamente o meu lazer no meu laser, minha agulha e plays diversos.

 
No Brasil, ainda existe uma associação imediata do "baixo-bateria e guitarra" com juventude.


Neil Young carrega a juventude no nome e na disposição com a qual encara os palcos; mas, basta dar uma olhada em parte considerável da sua plateia (e nele mesmo) para sacar que todo aquele barulho é a "bossa nova" deles.

 
Entretanto, não há como negar que heavy metal e afins estão diretamente ligados a hormônios em fúria. Então, por que dois caras inteligentes e maduros voltam com tudo a ouvir metal?
 

Na sua excelente crônica, com cinismo e humor, Arthur Dapieve atribui este fato a uma possível crise de meia-idade. É possível, é possível.


Além disso, me lembrei que sempre que o rock e afins vivem um hiato criativo, que não surge nada realmente estimulante ou novo, caio de cabeça na distorção e peso extremo. O que não deixa de ser uma crise.
 

Na década de 80, quando enciumado assisti a várias bandas queridas minhas entrarem tardiamente no mainstream bagaça brasileiro (mídia e público) - que as ignorava ou rejeitava -, o punk 77, o hardcore e o punk suburbano brasuca, de Sampa e Brasília, passaram a ocupar a minha agulha - em tempos pré-som digital.
 

Ou seja: consegui ser pós-punk antes de virar punk...

 
Naquela época, depois de um bom tempo de sujeira, crítica social e velocidade, o metal foi o meu caminho natural. Descobri o thrash metal nos seus primórdios, quando os metalheads sacaram que era preciso deixar um pouco de lado o teatro de horror e adicionar porrada no sistema e rapidez no peso.
 

Ah, como fui feliz - ao contrário dos meus vizinhos.
 

Lembro-me até hoje do impacto que senti ao ouvir "Merciless Onslaught" do Metal Church - faixa A/3 do álbum homônimo.
 
 
[não posso deixar de ser grato ao meu querido amigo Renato Marques de Freitas, que nas suas viagens regulares à America e ao Velho Continente, trazia na bagagem as minhas encomendas. Tenho uma recordação afetiva do cheiro dos vinis da minha amada banda de hardcore Dead Kennedys, por exemplo - cheiro este ainda preservado]
 
 
Outro fator determinante nesta minha volta ao som pesado, foram os headphones.
 
 
Quem curte música, discografias, jornalismo musical, ouve música com o som alto em casa, faz coletâneas em mídias diversas para garotas ou mulheres e tem bom gosto (seja lá o que isso signifique), naturalmente possui um apetite musical variado e é exibicionista.
 
 
A síndrome do produtor de rádio domina este personagem, que não se detém na sua compulsão em fazer trilhas sonoras para a vida dos outros - com os outros querendo ou não.
 
 
Entretanto, quando este personagem tem um phone enterrado na cabeça, ele ouve o que realmente quer - a não ser que esteja em um carro, ônibus, avião ou trem com um vizinho de poltrona; porque aí, ele se importará com aquele barulhinho denunciador, que sai dos seus plugues de ouvido.
 
 
Sim, eu sei: este ser é um personagem patológico.
 
 
Bom, mas eu, que não tenho nada a ver com isso, estou adorando esta fase "phone na cabeça". Um novo hábito que adquiri desde que descobri o prazer de ouvir os meus CDs no notebook.
 
 
Para mim, iPod é útil nas viagens - economiza espaço - e celular não é lugar para se ouvir música. Deve ser ressentimento pelo fato de terem transformado "Für Elise" do Beethoven em música irritante de espera infinita ao telefone.
 
 
O fato é que eu adoro, sempre adorei um bom "gangangangangangan..." de uma guitarra - assim como curto um trompete estridente no jazz e o drama/peso na música clássica.
 
 
Em tempos de posers midiáticos, bandas efêmeras e mais do mesmo reciclado, estou ouvindo metal direto. Tirando um esporádico Seasick Steve, um Dexys Midnight Runners ou um Dead Weather, desde 2009 os meus ouvidos sofrem. A pressão é total.
 
 
Neste momento, por exemplo, a bateria monstruosa de Flo Mounier, da banda canadense de death metal Cryptopsy, explode os meus phones - um absurdo a faixa "Graves of the Fathers" do álbum "None So Vile".
 
 
Na verdade, o death metal tem sido o meu metal favorito.
 
 
"Penetralia" da sueca Hypocrisy é um dos três primeiros discos brutais, antes de os suecos enveredarem pelo melodic death metal (que eu não curto muito) e certamente um sério responsável pela minha audição terminar igual a do Pete Townshend.
 
 
São igualmente responsáveis: Vomitory (sueca), Jungle Rot (americana), Vader (polonesa), Debauchery (alemã/death metal + rock'n'roll), Anaal Nathrakh (inglesa/black metal), Nile (americana), Beherit (Finlândia/black metal), Vainglory (americana/speed metal/da vocalista Kate French), Soulfly (groove metal/Brasil), Benediction (inglesa), Tribulation (Suécia), Fleshgod Apocalypse (Itália),



Bolt Thrower (inglesa/da baixista vegan Jo-Anne Bench), Arch Enemy (sueca/gosto de mulher mandando ver), Entombed (sueca), Sadistic Intent (Estados Unidos), Otep (rap metal from USA/outra frontwoman), Grave (Suécia), Ektomorf (Hungria/do álbum de groove metal "Destroy"), Mass in Comatose (Estônia/promissora/só lançaram um EP), Urgehal (Noruega/black metal), entre outras e outras recuperadas ou descobertas.
 
 
Dentro desse universo paralelo de dor, dessa fantasia/sonho/pesadelo sangrento e mortal, desta cultura da psicopatia, chamou a minha atenção a banda americana Animals Killing People. O cara canta, quer dizer, groa uma espécie de vingança animal.
 
 
Faixas como "Shame on The Human Race", "Animals are Beasts, Men are Monsters" ou "Placebo Deranged Victory - Toreros de Mierda" deixam bem claro que os caras querem explodir o topo da cadeia alimentar.
 
 
Também foi confortável ter descoberto há poucos meses que o vocalista da Debauchery, Thomas Gurrath, era professor de Filosofia. No mês de maio, ao ser revelada a sua dupla identidade, foi expulso da escola onde lecionava. O conterrâneo de Nietzsche decidiu optar pela banda e abandonou a docência.
 
 
As minhas três favoritas: além da canadense Cryptopsy (já citada), a francesa Benighted. A banda lançou cinco discos. O meu preferido é o brutal "Identisick" de 2006. Um álbum phoda (!) de death metal e grindcore.
 
 
A outra: Portal da Austrália. Tirando um split, demos e EPs, foram três álbums. Ouço direto "Swarth" de 2009. Uma viagem soturna trilhada sob tremolo picking e com destino incerto. Sob capuzes, integrantes com nomes como The Curator (vocal) e Horror Illogium (guitarra) misturam death, black, industrial e expressionismo alemão no seu culto. Cotação: muito phoda!
 
 
Outra explicação para esta minha volta ao metal e afins pode ser o fetiche que o disco físico (CD ou vinil) exerce em mim. Metalheads cultivam esta parada mais do que os outros. As (sobreviventes) lojas de disco do gênero, em todo mundo, estão aí para confirmar isso. Além das capas serem a porta de entrada na fantasia/pesadelo deste universo.
 
 
No entanto, talvez o Dapieve - além de ter escrito uma crônica melhor e mais curta do que esta - tenha sido mais sincero. Muito provavelmente, acrescentando o fato da minha namorada curtir som pesado (nos conhecemos em 2009), estou usando bons argumentos para disfarçar uma crise de meia-idade mesmo. É possível, é possível.
 
 
Mas é fato que a minha atual trilha sonora recorrente está me ajudando a enfrentar esta possível crise de uma forma mais...
 
 
...leve.




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